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    Discussão


    Já me perguntaram se, por ser cético em relação ao Brasil, eu odiava o país. “Se você critica tanto assim, por que não vai morar fora?” – provocaram, numa atitude que, guardadas as proporções, não deixa de seguir a mesma linha do autoritarismo militar (“Brasil, ame-o ou deixe-o”). Mas, sorry, eu não odeio o Brasil, não. Inclusive, quem me lê neste site sabe, me interesso muito por cultura e por arte brasileiras. Machado de Assis é um dos meus escritores preferidos. Música brasileira é das que mais aprecio. Iberê Camargo é um dos pintores que mais me impressionam. Alguns jornalistas daqui estão entre meus mestres. Interessar-se por cultura brasileira, procurar compreender os hábitos e costumes do lugar onde se vive, porém, não significa ser conivente em relação a eles. A atenção que dispenso ao Brasil não é passiva. Me interesso, mas criticamente. Criticar, ser exigente, não é desprezar, muito pelo contrário. E o fato de nosso senso comum não tolerar opiniões fortes e desfavoráveis a comportamentos nacionais só indica o quanto ainda temos a amadurecer e o quanto ainda precisamos jogar luz sobre ideias arraigadas em nossa sociedade.

    Nas entrevistas que concedi no início de junho, para falar do Palavra Composta e do Nomes & Obras, os eventos promovidos pelo MM em parceria com a livraria Letras&Cia., uma questão foi recorrente: por que realizar esses debates e encontros literários, aonde chegar com eles. Pois a razão é essa, mesmo: além dos conhecidos problemas sociais e econômicos, há em nosso país uma carência grande de discussão, de troca de argumentos de qualidade, e cabe a quem trabalha com informações e ideias – jornalistas, escritores, professores, artistas – estimular tal prática, do melhor jeito possível. Neste ano de eleições, tem sido comum o discurso de que o Brasil avançou nas últimas décadas, a economia avançou, o quadro social também, etc. etc. Sim, avançou, mas ainda falta muito o que melhorar. E intelectualmente, espiritualmente, o país progrediu pouco, ou quase nada. Como nossa cultura hipervaloriza os laços afetivos – Sérgio Buarque aponta isso, no seminal “Raízes do Brasil” –, tendemos a valorizar mais o consenso do que o dissenso e a perceber “debate” como “briga”. Lembro-me até hoje de um episódio do meu tempo de Ensino Médio, em que um colega defendeu outro que fora mal-criado com um professor: “Vou ficar do lado dele porque ele é meu amigo”, falou. Também já perdi a conta de quantas vezes presenciei gente dizendo “Não vou discutir esse assunto com você, não quero brigar”. São comportamentos muito representativos do Brasil. (é claro que igualmente existe confusão entre criticar e debochar, ser cético e ser cínico, o que faz o sucesso de muitos blogs daqui, por exemplo...). Debater, no entanto, é salutar. Ideia também existe para ser questionada. Uma das virtudes da democracia, aliás, é que ela nos permite sempre rediscutir as questões. Mas o Brasil, embora democrático, tem essas muitas noções fossilizadas (o próprio bairrismo gaúcho, tema de nosso primeiro debate, é outro exemplo), que só evoluirão através do questionamento. Por isso a importância de promover discussões. Toda cultura precisa de conflito.

    A letra da canção de Tom Jobim (um brasileiro, viu?), cujo título peguei emprestado para essa coluna, diz “Já percebi a confusão/ Você quer ver prevalecer/ A opinião sobre a razão/ Não pode ser, não pode ser”. Não pode, mesmo. Quando não se pensa com a própria cabeça, apenas repete-se a opinião alheia, o senso comum, as ideias feitas (e tolas) em meio às quais vivemos. Ou não ouvimos, por exemplo, o tempo todo lugares-comuns do tipo “Gosto não se discute”, “Quem espera sempre alcança”, “Cada um na sua”, “Falar é fácil, difícil é agir”, etc?... Tudo papo furado, é claro, porque gosto se discute (e como), quem espera nem sempre alcança, não podemos sempre ficar cada um na sua e esquecer a sociedade em que estamos, e falar É agir (além disso, quem trabalha com comunicação sabe, ou deveria saber, o quão difícil é fazê-lo bem)... Por falta de contestação e discussão, noções acabam se petrificando e nos prejudicando. Mas se ater ao óbvio, ao que todo mundo já disse ou pensou, não faz a roda girar. É preciso quebrar as cascas que o senso comum cria em nosso entorno. No livro “Normose”, que li com prazer, um dos três autores, o filósofo Jean-Yves Leloup (os outros são Pierre Weil e Roberto Crema), comenta: “Se todos pensarmos as mesmas coisas, é que já não pensamos mais.” Total verdade.


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    É por isso que estou feliz com a série de debates ligados a cultura e atualidades e de bate-papos com escritores que temos realizado. Uma forma de fazer minha parte, como extensão do trabalho aqui no site. Desconfiar do senso comum, revelar, analisar, opinar, tudo isso é enriquecedor, instrutivo e, como se não bastasse, divertido. Atrito produz energia. Ao debate, senhores.

    No Instituto Inhotim

    Outro indicativo do simplismo dos debates no Brasil é a qualificação de qualquer desconfiança ou opinião contrária como “preconceituosa”. Se você acha que Lula deveria falar melhor o português, é porque é “preconceituoso” com quem tem pouco estudo. Se ironiza as “tribos” contemporâneas – punks, emos, nerds, etc. –, é porque é “preconceituoso” quanto a comportamentos “diferentes” (?). E se desconfia de arte contemporânea, é porque é “preconceituoso” em relação a “novos formatos”, está bitolado pela estética “clássica” e, por isso, deve “abrir a cabeça”. Por eu considerar que pouquíssimos artistas contemporâneos produzem trabalhos verdadeiramente instigantes, é claro que já fui rotulado de preconceituoso. Mas vamos ao Aurélio? “Preconceito: s.m. 1.Ideia preconcebida. 2.Suspeita, intolerância, aversão a outras raças, credos, religiões, etc.” Preconceituoso é quem recusa o contato, é quem forma juízo de valor sem conhecer o objeto do juízo. Se eu tivesse, portanto, “intolerância, aversão” a instalações, videoartes e performances, eu sequer discutiria o assunto (e, por extensão, não criaria oportunidade de ser chamado de preconceituoso). E se tivesse uma “ideia preconcebida” de que toda obra contemporânea é ruim, eu sequer frequentaria bienais. Ou, muito menos, pagaria para entrar no exuberante Instituto Inhotim, em Brumadinho, MG. Coisa que fiz há pouco tempo (veja fotos e mais informações no MMblog).

    Mistura de parque ambiental com museu de arte, Inhotim é, atualmente, o grande (e ponha grande: 350 mil m2) espaço para arte contemporânea no Brasil, e um dos maiores do mundo. Há mais de 500 obras, de artistas nacionais e estrangeiros, expostas a céu aberto – entre lagos e jardins criados, em parte, por Burle Marx – ou em galerias e pavilhões especiais. É claro que se veem lá algumas instalações esdrúxulas e mal-resolvidas como as que aparecem em muitas bienais, além de trabalhos pretensiosos, que pensam dizer mais do que realmente dizem – caso de “Neither”, da colombiana Doris Salcedo, apenas uma cerca de arame prensada contra placas de gesso, para metaforizar prisão política (precisava ser tão simples e óbvio?). Mas a maioria do acervo é boa. Gostei sobretudo da instalação labiríntica de Cildo Meireles, “Através”, pela força sensorial e pelas reflexões que suscita ao nos fazer andar sobre cacos de vidro enquanto nos deparamos com materiais translúcidos que representam “barreiras”, de cortina de banheiro a cerca de madeira. Aprovei também a “Linda do Rosário” de Adriana Varejão, por repugnar e atrair ao mesmo tempo; a instalação sonora da canadense Janet Cardiff, composta por 40 caixas de som, cada uma a reproduzir uma voz de um coral; as ótimas fotos de Vik Muniz; e as peças de Tunga e do argentino Jorge Macchi. Pelos jardins, apreciei o triângulo de vidros espelhados do americano Dan Graham, preciso e leve; as esculturas de bronze de Edgard de Souza; o “Jardim de Narciso” da japonesa Yayoi Kusama; e o “Penetrável Magic Square” de Helio Oiticica, pela imponência, pelo impacto visual que ocasionam suas paredes coloridas em meio ao verde da paisagem. Algumas obras foram criadas especialmente para o Instituto, e de lá não sairão. Melhor assim: a interação (ou não) com a natureza faz funcionarem mais do que se estivessem numa sala de bienal.

    No mais, o passeio é muito agradável, e impossível de ser feito com pressa. Um grupo de turistas americanos com que conversei estava encantado com o lugar. É deveras um prazer visitar Inhotim – mas prazer cultural, lembremos, não deve ser passivo. Arte também existe para nos aguçar o senso crítico. E para mostrar que a vida é múltipla e não cabe em reducionismos ou rotulagens maniqueístas...

    Pátria Amada

    Obviamente passei também por Belo Horizonte, onde fiquei três dias. Sempre a achei uma das mais bacanas capitais brasileiras, embora ela, nos últimos tempos, tenha sofrido de males das capitais brasileiras: um Centro descuidado, falta de segurança e trânsito quase “parando” devido ao excesso de carros (Porto Alegre, idem). Mas há bons espaços de lazer, restaurantes de qualidade (come-se muito bem no Paladino, próximo à Lagoa da Pampulha) e cafés simpáticos. Tentei, porém, ver como andava o Museu da Pampulha e, na entrada, fui informado de que estava fechado a visitantes, “em preparação para nova exposição”. Pois deve ser o único museu do mundo que fecha para visitação entre uma mostra e outra... O acervo permanente está lá para quê? E ainda reclamam quando critico a falta de visão e a desorganização brasileiras...

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