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    O tempora, o mores


    Frequentar restaurantes e shoppings é também uma boa oportunidade de constatar quão pasteurizados andam os brasileiros, na aparência e no ‘conteúdo’. Todos parecem os mesmos: mulheres, só de peito siliconado, cabelo alisado e tingido; homens, só saradões, de camiseta grandemente estampada e bermuda. Chegam de carrão, usam oclão e fazem carão. E os assuntos não vão além de conexões de celular, marcas, futebol, cultura pop ou picuinhas familiares. Quem critica esses costumes e valoriza mais elegância, autenticidade e espírito é tachado de arrogante, careta ou patrulheiro, mas Paulo Francis tinha razão, mais uma vez, quando escreveu que a maior de todas as patrulhas é a da mediocridade.

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    Por falar em Francis, ele muitas vezes se referia à peça “O Rinoceronte” (1959), de Eugène Ionesco, quando apontava justamente contra alguma bobagem do senso comum. De fato, o texto, normalmente catalogado como do “Teatro do Absurdo”, é uma baita metáfora do pensamento de manada e do conformismo. Num vilarejo, pessoas vão, de repente, se transformando em rinocerontes, e os que restam dividem-se entre discutir o evento superficialmente, como se os animais têm um ou dois cornos, ou reclamar da poeira que a passagem deles levanta. Todos, porém, acabam desistindo do tema, voltando para suas vidinhas e acostumando-se à situação – e, por fim, também virando rinocerontes. A certa altura, um personagem nota as ruas tomadas pelos bichos e diz: “Quando eles passam, as pessoas se afastam e depois seguem caminho, como se nada ocorresse.” O protagonista é o único que preza o humanismo e não se habitua à ‘rinocerontização’. No fim, exclama: “Me defenderei contra todos! Sou o último homem! Não me rendo!”. Sim, esse recado é atual.

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    No conto “Um Homem Célebre”, de Machado, o editor das polcas de Pestana justifica assim os nomes ridículos que dá a elas: “Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.” Alguma semelhança com o cenário musical brasileiro de hoje?

    Cinediferenças

    E nos críticos de cinema atuais, quem disse que dá para confiar? Fui ver “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, tratado nos jornais e portais como “um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos”, “uma espécie de Caché (2005) nos trópicos”, etc. E é só mais um desses filmes brasileiros em que o argumento não vira um roteiro, os personagens são unidimensionais e há ideologia no lugar de ideias, sabe?

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    Nossos vizinhos é que continuam sabendo fazer bons filmes. Do chileno “No”, de Pablo Larrain, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o principal aspecto a ser ressaltado para o público brasileiro não é o mais evidente, o técnico – foi rodado em U-matic, formato de estética semelhante ao das fitas VHS, que se popularizavam nos anos 1980, período em que se passa a história. É justamente o da (madura) construção dos personagens. Prestem atenção, em especial, aos pequenos: numa cena, o publicitário da campanha do “Si”, pela manutenção da ditadura de Pinochet, no plebiscito de 1988, ajuda o colega que dirigia a campanha da oposição a tirar a ex-namorada da prisão. Noutra, a empregada desse, mulher de classe social baixa, diz que votaria pela continuação da ditadura, “de direita”, porque sua vida está indo bem. E em outra, ainda, um comunista dá a entender que prefere o conforto de um táxi a um ônibus. Mesmo o protagonista (Gael García Bernal), filho de exilados, aceita coordenar a campanha do “No” mais pelo ‘desafio’ e pelo cachê do que por idealismo. São todos, enfim, personagens muito diferentes dos apresentados nos filmes ‘sociopolíticos’ brasileiros, em que aqueles dazelite são sempre mesquinhos e preconceituosos e os Lamarcas, Ches e Lulas só faltam caminhar sobre as águas...

    Melhor Produção de Mimimi

    Todo mês de fevereiro, é a mesma coisa:

    Ai, não ligo pra Oscar...”. Também não ligo para quem tenta bancar o jovenzinho-universitário-anti-imperialismo-cultural-americano.

    Ai, Oscar é uma cerimônia provinciana...” – tão provinciana que é assistida por milhares de pessoas no mundo todo.

    Ai, Oscar premia a indústria do cinema.” Pois é, não existe bom profissional algum nessa indústria para premiar!

    Ai, Oscar é injusto, muitas vezes.” Bem-vindo à vida.

    Glossário brasileiro

    Elitista: adj. Toda pessoa que tem mais ideias e mais cultura do que você.

    Amizade: s.f. Aquilo que sempre se deve pôr em primeiro lugar, principalmente nas relações políticas e de trabalho.

    Direitista: adj. Todo aquele que critica ideias de esquerda, mesmo que critique também ideias de direita.

    Esquerdista: adj. Ver "direitista".

    Ironia: s.f. sin.: Ofensa.

    Pátria Amada

    “Ai, o esquema do Marcos Valério começou com o PSDB, em Minas Gerais”. Ok, então isso justifica que tenha sido levado ao governo federal e ampliado, por um partido que sempre se gabou de sua “ética”. Obrigado.

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