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    (Não) Gostar de futebol


    Meu filho não gosta de futebol. Tentei incentivá-lo, nos primeiros anos, a brincar com a bola, mas minhas tentativas foram sem sucesso. No começo, a apresentação à redondinha teve um pouco de receptividade; o garoto até tinha qualidades de esportista e um pouco de habilidade. Mas, acreditem, renegou-a por um skate. Qualquer tipo de brincadeira sem bola, aliás, o atraía com mais interesse.

    Desde cedo ele demonstrou querer distância de qualquer atividade relacionada com o futebol, seja no vídeogame, álbum de figurinhas ou televisão. Pensei eu nas piores coisas: perdi um parceiro para ir ao estádio, esse menino pagará mico na escola, será chamado de perna de pau, discriminado pela turma, tachado com adjetivos nefastos por se isolar na hora da pelada no colégio... Minhas convicções estavam calcadas nas minhas lembranças de infância, em que a brincadeira principal da molecada era com a bola.

    Muitas vezes me indagaram: como seu filho não gosta de futebol? Esses questionamentos pareciam acusações de um forte desvio de conduta social, algo contra os princípios e costumes da sociedade. Imagine, no país da bola, na terra do rei Pelé, de arrebatados torcedores, alguém ousar ignorar o monopólio esportivo chamado futebol! É, no mínimo, loucura.


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    Por aqui, existem canais de rádio e televisão que sobrevivem unicamente de transmissões e de debates (muitas vezes, filosóficos, ou que buscam ser) sobre o mundo futebolístico. Como escreveu Millôr Fernandes, com sua perspicácia e ironia, “O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia”. No Brasil, se há a impressão de que romancistas menosprezam o esporte (vale ler esta coluna de Ruy Castro), o mesmo não se pode dizer de historiadores, jornalistas e ensaístas, que, com frequência, abordam o tema em seus trabalhos. Futebol acaba sendo objeto tão sério, aqui, que poucos se atrevem a contestar as agremiações profissionais.

    Clube de futebol no Brasil tem o direito de quebrar financeiramente, ficar devendo, e continuar gastando mais do que arrecada. É contra a lógica econômica e matemática, mas não a do pensamento apaixonado, e por vezes míope, do torcedor “associado”, que paga caras mensalidades como se fosse um dízimo e não se arrepende. Qualquer empresa privada que adquirisse dívida semelhante à de alguns dos principais clubes do Brasil já teria portas fechadas pelo poder público e decretado falência. Se alguém ousar denunciar a baderna, no entanto, provavelmente será tachado de torcedor adversário, e desse modo vamos ignorando o que não é diretamente anunciado nos veículos de comunicação.

    Para os políticos (sim, precisamos falar deles), o caráter passional que ronda o futebol é bem-vindo, claro. Nossos presidentes da República, de uma forma ou de outra, sempre utilizam o esporte para fazer analogias com o (suposto) sucesso de seus governos. Relacionam a habilidade e a criatividade dos atletas com o esforço e trabalho de cada brasileiro. A conquista do nosso primeiro título mundial, em 1958, durante o governo Juscelino Kubitschek, por exemplo, contribuiu para a ideologia de otimismo e prosperidade que o presidente buscava impingir ao país. Nem é preciso lembrar, também, o gosto do ex-presidente Lula por metáforas futebolísticas. Mas o uso da seleção brasileira como ferramenta política, principalmente em tempos de Copa do Mundo, não é exclusividade dos governos democráticos. Essa história de “pátria de chuteiras”, ou, como disse exatamente Nelson Rodrigues, “A Pátria em chuteiras”, foi muito difundida na ditadura militar. Os militares, com senso de marketing, encontraram uma maneira de envolver a população de forma quase unânime num clima ufanista, em função da Copa de 1970, quando ganhamos o tri. Foi uma tentativa, até certo ponto bem sucedida, de camuflar os problemas políticos, econômicos e sociais da época. Seguramente o tema poderia render uns capítulos para a continuação do livro “Guia politicamente incorreto da História do Brasil”, do escritor Leandro Narloch, pois no período, não por acaso, nenhum clube de futebol foi importunado ou sofreu alguma contestação oficial; os problemas das agremiações passaram despercebidos pelos olhos da caserna (embora tenha havido casos de jogadores perseguidos). É possível que os militares tenham avaliado as consequências de mexer com a idolatria dos torcedores e, assim, resolveram não importunar.

    Também nesse mesmo período, começou uma propagação maior da ideia de que o Brasil é “o país do futebol”, ou o “berço” do esporte. Todos sabem, porém, que desse título a Inglaterra não abre mão. Os bretões inventaram o football, e o brasileiro de origem inglesa Charles Miller semeou e difundiu o jogo por aqui. Os ingleses criaram o esporte, mas nós o aperfeiçoamos e elevamos seu simbolismo, tornando a paixão pelo que ocorre dentro das quatro linhas uma identidade cultural nossa. Hoje, os ingleses até estão acostumados com o título de “terra do futebol” colado no Brasil.

    O marketing ufanista funcionou e se perpetuou no país. Ou alguém já viu bandeiras do Brasil decorando residências na Semana da Pátria ou no feriado de Proclamação da República? Verás o verde-e-amarelo somente em decisões da seleção brasileira. Ou seja, há na cabeça dos nossos compatriotas a relação amar a Pátria = torcer pela seleção brasileira de futebol.

    Ah! E o meu filhote. O pequeno herói chegou aos doze anos sem rótulos na escola. Ano após ano, foi provando que minhas angústias eram desnecessárias e estavam ultrapassadas. Que audácia desse garoto! Não sonha em ser jogador, como quase todo menino; não se emociona com os dribles perfeitos do Cristiano Ronaldo ou uma pedalada do Messi; não chorou pela derrota do Brasil na Copa de 2010 e não manifesta interesse por a que está para começar. Ele não tem camisa do Corinthians, Grêmio, Inter ou Flamengo; seu quarto nunca terá decoração do clube do coração. E, quando adulto, ele precisará correr atrás e se informar, se quiser participar das conversas sobre o esporte nas rodas de amigos. Para muitos (brasileiros, é claro), ele está fadado a fazer análise. Para mim, a ser um craque da determinação.

     

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