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    Sobre Lula-lá - 2


    A cultura brasileira é a do conformismo, e as tentativas de contrariar a acomodação, desconfiar do senso comum, ir em direção oposta à multidão, obviamente, são alvos de muitos olhares reprovativos. Afirmar-se e dar opiniões fortes contra o consagrado, aqui, é senha para ser chamado de “arrogante”, “exibido” e ser pressionado a “ter humildade” e “concordar com os outros”. Basta, por exemplo, apontar incômodos num governo de altos índices de popularidade como o de Lula, e pronto: tal tendência é facilmente verificada.

    Uma de minhas primeiras colunas no MM foi, justamente, uma crítica à atual administração: “Sobre Lula-lá”. Abordei no texto alguns equívocos do governo, como a falta de investimentos pesados em infraestrutura (o PAC não é metade do que dizem) e educação, a não-realização de reformas estruturais, o aumento dos gastos públicos e do estado, a complacência com a corrupção. Publiquei-a em maio de 2008 e, de lá para cá, recebi alguns e-mails muito significativos (curioso: ninguém usou a caixa de comentários; preferiram discordar “em off”), de leitores ultrajados que viam nesse aspecto da “aprovação da maioria” um escudo contra qualquer crítica. Se todo mundo gosta, é bom e é certo; deixa de ser chato! – foi o pensamento depreendido dos comentários. Prometi a mim mesmo que, ao término do mandato de Lula, eu voltaria ao tema, com base nas mensagens recebidas.

    Que bom que essas mensagens chegaram, por sinal. Discussões são sempre bem-vindas, ainda mais em um país onde as questões são tratadas de um jeito tão morno como o nosso, quando não caem numa polarização infantil – o que, parece, aconteceu no caso de um desses leitores, Zé Roberto. Ele elogiou minha articulação (obrigado!), mas depois me chamou de “maria-vai-com-a-Veja” (rá!) e “pitbull que agarra as calças do carteiro”, por eu ter defendido redução de despesas do governo. Atacar a pessoa em vez dos argumentos dela é algo pouco elegante e produtivo e outra tendência ruim dos debates brasileiros, porém tentei responder ao e-mail educadamente. Conforme o leitor, o governo anterior (sempre evocam Fernando Henrique, ao falar de Lula...) fez o tal “controle de despesas” e, com isso, “quebrou o país três vezes”. A noção é até ilógica, afinal não se pode quebrar economizando. Mas, de qualquer modo, não sustentei em momento algum do texto que o governo atual deveria reduzir despesas como o anterior. Tanto o governo de FHC quanto o de Lula aumentaram o déficit público e a participação da carga tributária no PIB. As duas presidências não controlaram despesas nem fizeram profundas reformas tributária e previdenciária. Disse o leitor ainda que eu teria “glaucoma na mente” por supostamente não ver o sucesso da economia. Eu vejo os bons indicadores, sim, só não acredito em “embalo”. Sem reformas e sem aumentar a taxa de investimentos públicos (investimento é diferente de gasto), não iremos muito longe. A realidade brasileira, daqui a 30 anos, será outra. E ter “glaucoma” talvez seja não considerar o PIB negativo que tivemos em 2009, o pior em 17 anos, um dado grave. Ambos os governos, FHC e Lula, sofreram abalos de crises externas também por causa desse preceito simples: quanto mais se gasta, mais vulnerável se fica. Míope é quem não acredita em opinião independente e acha que críticos do governo estão sempre a serviço de uma empresa ou ideologia... Condenar o excesso de gastos públicos e a carga tributária elevada é ser “de direita”? Muito gasto e muito imposto é a pior das tradições brasileiras...


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    Sobre o apoio de Lula a corruptos, outra marca de seu governo, a exemplo do concedido ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, citado na coluna, um leitor anônimo disse ser “verdade” a versão de Lula de que Severino foi “derrubado” pela “elite” e pela oposição, quando esta percebeu que ele era governista. Para justificar, lembrou a ocasião em que Fernando Gabeira, em plena sessão plenária, passou a histórica descompostura no ex-deputado e declarou: “ou vossa excelência fica calado, ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo”. No entanto, até onde sei, um político é “derrubado” quando tirado à força do cargo que ocupa. O que não aconteceu com Severino: ele não teve o mandato cassado, nem sofreu um golpe executado por PSDB, PFL e PPS... Ele renunciou. Saiu porque se viu obrigado a sair, e não por causa de um ‘movimento’ da oposição (se é que houve real intenção de Gabeira de criar um). Isso é fato. Apregoar que Severino foi “derrubado”, como fez Lula, repetido pelo leitor, é uma teoria da conspiração boba, daquele tipo que tanto a esquerda quanto a direita adoram.

    Apareceram nos comentários, também, mitos criados em torno do governo e do presidente. Entre eles, o suposto empenho na educação. O leitor Elpidio disse nunca ter visto “a implantação de tantas universidades federais e escolas técnicas” quanto agora. “Para um torneiro mecânico ‘desdiplomado’ é um grande feito, não concorda?”, perguntou, motivado por minha crítica à carência lulista de ideias para a educação. Bem, o governo (é sempre bom separar a instituição da pessoa) realmente abriu escolas técnicas. Mas esse fato, por si só, é insuficiente: o maior problema da educação brasileira, ainda não combatido, é a qualidade. O corpo docente dessas escolas e universidades é qualificado? E o ensino é atualizado, atraente, dinâmico? Os alunos gostam de estudar nelas? Em que regiões do Brasil têm sido implantadas? São cursos voltados à tecnologia e à pesquisa, áreas que são estratégicas e em que o país é tão carente? Adianta pouco ter escola se o conteúdo ensinado nelas é ruim... A educação brasileira segue nas últimas posições dos rankings internacionais. Lula já declarou ter aberto mais universidades do que JK; entretanto, Juscelino governou por cinco anos, e ele, por oito. O presidente, também, várias vezes gabou-se de não ter estudado, o que não é lá um bom exemplo para a população que ele governa...

    O mesmo leitor, sobre as demais críticas do texto, afirmou não ser petista nem considerar o atual governo “uma maravilha”, mas que se Lula “tem um índice de aprovação de 70 por cento, por algo será”. Não esclareceu que “algo” é esse, mas de fato a popularidade do presidente tem explicação. O governo atual seguiu e aprimorou a política econômica do anterior, aumentando as reservas cambiais – o que permitiu atravessar com certa tranquilidade a crise internacional – e expandindo o crédito e a renda. O desemprego diminuiu. Mas como o brasileiro, no geral, se contenta com pouco, minimiza as deficiências em outros campos, na hora de avaliar o governo. E como tem um conceito muito elástico de ética, relativiza as estripulias de ministros e apoiadores e a conivência de Lula em relação a elas. Tais comportamentos, em qualquer país sério, seriam motivo de grande indignação, mas aqui pensa-se: “bom, se político é tudo igual, mesmo, esse governo ao menos nos deu um pouco mais de dinheiro no bolso...”. Tudo isso, somado ao talento do presidente de se comunicar com o povo e à incompetência dos partidos de oposição em apontar erros e propor alternativas, pode explicar as altas taxas de aprovação.

    Sempre se torna necessário lembrar, no entanto, que alta aprovação não significa “carta branca” para o aprovado fazer o que quiser, nem que ele está imune a críticas. Talvez os leitores incomodados não tenham claro que a responsabilidade só aumenta, nesses casos. Não é razoável pensar que não se deve contestar algo errado porque a maioria não contesta (Iberê Camargo: “Quem nada a favor da corrente é peixe morto.”). Vivemos numa democracia; é absolutamente desejável e salutar que nem todos pensem igual. Por eu ter dito na coluna que desconfio da palavra de políticos, houve também quem reclamasse da postura do “todo político é safado” e sugerisse a quem a adota que se filiasse a um partido, para impor seus “bons princípios”. De novo, não leram o texto direito: não considero todo político “safado”. Isso é cinismo, e os muitos que o praticam dão ainda mais pano para a corrupção que afirmam criticar. Eu escrevi que desconfio, e desconfiar de quem nos governa (ou diz governar) é essencialmente democrático. A democracia surgiu para dessacralizar o poder. É preciso questionar, reclamar e se indignar, sim, com os governantes. Ou vocês acham melhor que todos relevemos as sacanagens, sorriamos e, alegres, limpemos o bueiro da esquina? Esse clichê do “falar não adianta nada, difícil é agir” – como se falar não fosse agir – foi marcante no Brasil dos anos Lula.

    E basta andar pelas cidades brasileiras para ter sobre o que “falar”, para se dar conta de que a vida da maioria das pessoas ainda está longe de ser o paraíso prometido pela chegada de um “desdiplomado” à presidência... A ideia de que o Brasil avançou horrores nos últimos anos é falaciosa. Não ‘só’ educação, carga tributária, infraestrutura e moralidade política continuaram a anos-luz do satisfatório: saúde, saneamento e segurança pública, igualmente. Outras áreas também: a política externa provocou risos, corporações e turminhas se deliciaram com a máquina pública, projetos sem retorno em curto prazo foram escanteados, a demagogia contra a imprensa e o desdém às leis eleitorais correram soltos, a cultura oligárquica brasileira permaneceu.

    Quanto à pessoa do presidente, Lula, na maioria das vezes, crente de que se tornou um mito e um dos maiores presidentes “da História desse país”, pareceu mais um animador de programa de auditório do que um líder político, se omitindo nas crises e só se revelando na hora de discursar ou ser fotografado. Conseguiu capitalizar as boas notícias e se safar das más, pondo estas na conta de governos passados, da “elite” – que ficou muito feliz com seu governo, aliás – ou da imprensa. Ele realmente “deu a volta por cima” depois dos escândalos do primeiro mandato, o que não ocorreu com a oposição. O fato de o Brasil estar num momento de (discutível) exuberância econômica não transforma Dilma Rousseff automaticamente numa boa candidata. O PSDB, contudo, não se reinventou, não apresentou projeto alternativo ao de Lula (que também não teve projeto específico para o Brasil), não encontrou um discurso, e isso tem se refletido nas pesquisas de intenção de voto, que mostram a candidata governista na frente. A oposição sentirá na carne, mais uma vez, o que dá não apresentar ideias, não saber o que fazer. E o Brasil, ao que indicam as pesquisas, não assistirá a uma democrática alternância de poder, tão saudável após oito anos de um mesmo partido... Depois da eleição, com a poeira baixada, tomara que a sociedade brasileira, tenha quem tiver como sucessor de Lula, perceba que o oba-oba propagado por ele é que “não adianta nada” e, acima de tudo, vislumbre o quanto ainda há para fazer no país. E o quanto ainda há para criticar.

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