Assisti só recentemente, e não me perdoo por isso, a A Maldição Mona Lisa (disponível aqui), documentário de 2009 do grande Robert Hughes (1938-2012), um dos meus críticos favoritos e um dos mais respeitados do século XX. O filme mostra, lamentando, que as artes visuais entraram (pelo menos nos Estados Unidos) com força na Era do Espetáculo, tornando-se um ambiente em que muito dinheiro circula e molda gostos e em que “artistas” são tratados como, e aspiram a ser, celebridades. E o público? Esse, com as exceções de praxe, vai ao museu não para contemplar e estudar a Mona Lisa, mas para dizer a todo mundo que foi lá – hoje, de preferência, com uma selfie bem bacana nas redes digitais, meio ainda não tão disseminado na época do documentário. O público fica deslumbrado não propriamente com a obra, mas com a festa e as cifras em torno dela.
Foi como aconteceu em 1963, quando se expôs nos EUA pela primeira vez a tela de Da Vinci, amparada por um grande esquema de segurança e marketing que funcionou como atrativo até maior do que a pintura em si. Para Hughes, aquele foi o fato definidor da atual maneira deturpada de se relacionar com a arte: percebê-la como um blockbuster, uma superprodução divertida, da qual self-promoters como Damien Hirst (tão desqualificado pela crítica que até já virou um assunto aborrecido) e Jeff Koons são grandes atores. Algo se perdeu desde então.
Mas a análise, é claro, limita-se ao que acontece nos países desenvolvidos. O que Hughes identificou nos EUA não se aplica inteiramente ao Brasil, por exemplo. Lá, ele avaliava que a monetarização estava acabando com a arte (posição meio romântica, também; afinal, como na letra da canção, grana destrói e também ergue coisas belas). Aqui, onde mal há um mercado para a cultura, a hiperpolitização e a superficialidade é que estão corroendo a arte. Os artistas estudam pouco, ou estudam demais, o que também é um problema, e público e crítica são, em geral, pouco exigentes, por serem mal formados. A política, que não é boba nem nada, não admite o vácuo: onde pode entrar, entra, inclusive no meio artístico. Uma vez que o debate estético quase inexiste, o político e moral, a dita “guerra cultural”, toma conta. E tome repetição de formas, conteúdos e pensamentos já cansados, tome panfletagem em vez de discussão humanista...
Hughes, ao se voltar especificamente para a ação desmedida do dinheiro sobre o sistema da arte, nos ajuda a ver este fenômeno maior: no mundo todo, hoje, arte chama atenção quase só por fatores extra-estéticos. Que o digam os “Balbúrdia” e Rodrigo Camacho, com suas baixa elaboração artística e alta carga política, na medida certa para gerar bastante polêmica, em especial nas, onde mais?, redes digitais. “Lacrar” é o que importa. Nada mais típico deste desanimador século 21.
Deixemos para especular mais causas para o problema noutro momento. Por ora, fiquemos com a recomendação cabal do crítico feita nos últimos segundos do filme: está na hora de pensar e de mudar. Para não acabar.
Lucas Colombo
Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).