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    Arte não é corrida


    Arte Não é Corrida de Cavalos, Arte não é Holofote Ou Um Manifesto Inocente e Romântico Sobre Nossos Dias

    Precisamos da aprovação do outro. Dependemos disso para viver. Somos carentes e nossa falta parece não caber no mundo. Não há o que a preencha por completo. O amor é pouco. Infelizmente para alguns, ou felizmente para outros, sempre será pouco. Por isso, entre outras tantas fugas, maneiras de matar o tempo e ocupar a mente, existe a arte. E nossas expressões artísticas, é claro, também são extensões de nós. São produtos do que vemos, cremos e imaginamos ser a vida. A essência dessa inquietação, desse incômodo, que gera tantas e tantas obras importantes para a humanidade, pode se resumir a uma sensação de, no fim das contas, querer sem bem quisto por todos.

    Quando nos apaixonamos por um quadro ou livro, não nos vem à cabeça que o autor criou aquilo para agradar. E, provavelmente, o próprio autor não o fez conscientemente. Não levamos mesmo, na maioria dos casos, isso em conta. Algo nos toca, simplesmente. E isso é o que interessa. O diálogo da obra com o público, e vice-versa, nasce de um sentimento, ou de uma provocação.


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    Entretanto, há artistas que insistem em buscar insanamente essa aprovação, deixando sua ambição estética de lado ou a direcionando para um simples agradar o maior número de pessoas possível. E, quando se chega a esse ponto, vale tudo. Há situações, cada vez mais corriqueiras, que evidenciam essa sede, essa ânsia. Um exemplo disso são os novos programas televisivos em que cantores não profissionais disputam quem é o “melhor”. Em formato meio reality show, meio programa de auditório, essas atrações têm a mesma essência de qualquer premiação artística: eleger um campeão e, pela lógica, elencar outros tantos como piores. Uma visão caolha, um ranqueamento bobo, que deixa a entender que é possível determinar objetivamente quem é o “vencedor” no mundo da arte. Logo na arte, em que avaliações têm uma boa dose de subjetividade.

    O que intriga é o motivo que leva uma pessoa – um suposto artista – a buscar esse “título”. E o pior, o que faz alguém crer que esse prêmio realmente valha algo de verdade? Tudo não passa de uma construção coletiva. Esse espetáculo não apareceu em nossas televisões do nada. São milhares de pessoas que levam esses programas a sério, assistindo rotineiramente e votando nos concorrentes pela internet ou por telefone, discutindo suas performances nas redes sociais, fazendo campanha para que vençam, etc. Não é só a comissão julgadora que participa desse espetáculo deprimente, há todo um componente social por trás disso. Muitas pessoas acabam acreditando – pois se deu na TV é verdade – que o vencedor do The Voice, Ídolos, Astros, entre outros, será definitivamente a nova voz do Brasil e, consequentemente, um sucesso. Enfim, um artista a ser seguido, admirado, consumido...

    Lógico, o vencedor pode ser, sim, um grande artista – com toda a subjetividade que o termo grande traz – mas esse contexto não deixa de ser um triste cenário. Ainda mais quando se percebe que ser campeão é a meta do tal “artista”. É importante salientar que muitos dos concorrentes já passaram por programas de diversas emissoras e até de atrações televisivas semelhantes de outros países. Ou seja, alcançar o primeiro lugar para muitos desses “artistas” é relevante, é o que move sua “arte”.

    Retornamos ao princípio: alcançar o lugar mais alto do pódio significa ser bem quisto, estar nos holofotes e transmitir uma imagem positiva para os outros. Essa última opção acaba sendo o real e evidente objetivo. É um pouco assustador e, ao mesmo tempo, deprimente. Mas, afinal, como isso afeta a arte, hoje? Até onde nosso narcisismo exagerado contribui para a produção artística – se é que contribui?

    São perguntas complexas e as respostas variam conforme a realidade de cada um. Seguindo no mundo da música, uma das pioneiras nessa fusão de arte e exposição exacerbada é Madonna. Seu modelo de divulgação e visibilidade no showbiz ainda é copiado por muitas cantoras mundo afora (Beyonce, Lady Gaga, Britney Spears...). E a mídia, incrivelmente, dá o mesmo tratamento às cópias de Madonna, fotografando e noticiando cada passo, misturando vida privada com pública, criando polêmicas tolas a cada bocejo e/ou crendo que cada nova apresentação delas é um arroubo de criatividade que vai alterar o rumo da música pop e dos nossos dias como são. Vendo de fora, parecem todas iguais. Como, então, que o público as difere? Como, então, que o público as aceita? Um mistério.

    A “pessoa” Madonna, desde o principio de sua fama, confundiu-se com sua arte. Uma ilustração disso aparece no documentário “Na cama com Madonna”, de 1991. Em certo momento do filme, a cantora vai até o cemitério visitar a túmulo de sua mãe, que perdeu aos cinco anos. Ela, narradora do próprio documentário, diz que nunca havia ido ao local, desde que a mãe faleceu. A visita, pasmem!, acontece diante das câmeras – provavelmente, uma grande equipe, com diversos equipamentos, afinal, estamos em 1991 –,para as quais ela conta a história da curta relação que teve com a progenitora. Ao fim da cena, então, Madonna se deita na relva, rola seu corpo até ficar de bruços e diz que quer ser enterrada ali. O cúmulo da exposição, da confusão entre o que é público e privado, entre o necessário e o desnecessário.

    Poderia uma artista como Madonna, e como milhares que existem não só na música, viver sem os holofotes ou sem uma câmera apontada para suas faces? Conseguiriam sobreviver na penumbra dos dias? Se a resposta for não, para esses “artistas”, então, o que importa não é arte.

    A arte não é sagrada. Artistas foram e serão sempre populares. Não há problema algum em banalizar e desmistificar as expressões artísticas e seus produtos – aliás, esse é um combustível de muitos. Não está aí o dilema. A questão é que a arte não pode ser só holofote. Não pode ser apenas uma corrida de cavalos. Caso contrário, nós, que ainda temos fé, estaremos perdidos. E sob risco de sermos atropelados pela manada.

    @lsbarroso


    lucas barrosoLucas Barroso

    Jornalista e escritor, autor de "Virose" (2013), "Um Silêncio Avassalador" (2016), "Um Gato Que Se Chamava Rex" (2018) e "O Tempo Já Não Importa" (2020).



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