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    Ufanismo de ouro


    Eu não queria escrever sobre assunto algum relacionado às Olimpíadas, mas não pude evitar. Pois percebo que, cada vez mais, o Brasil é um grande ganhador de medalhas de ouro numa modalidade: ufanismo. Eu gosto de ver os Jogos e gostaria mais ainda de estar em Pequim, para não ter que acompanhar as transmissões cheias de patacoada patriótica da TV brasileira. Zapeio pelos canais e constato que o discurso dos narradores, repórteres e comentaristas é sempre o mesmo, repleto de apelações, clichês e ‘forçações’ de barra. Se um brasileiro perde, ah, coitado, é porque ele não estava num bom dia, teve azar, mas valeu o esforço, ele é um guerreiro, etc. NUNCA é porque o adversário era melhor. Agora, se o atleta vence, meu deus, é Brasil, Brasil, Brasil!!! Ninguém segura este país! E viva a nova estatal do petróleo!

    Quando César Cielo venceu a prova dos 50 metros livres da natação e levou o ouro, aquele famoso narrador da Globo disse tantas pérolas ufanistas, que fui obrigado a tomar nota. Segurem-se:

    “Prepare seu coração!”


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    “Ele é brasileiro!”

    “Vamos ouvir com muita emoção o hino brasileiro.”

    “Mais do que ninguém ele merece.”

    “Tenha muito orgulho dele, vovó.”

    “Momento especialíssimo!”

    “Essa coisa do brasileiro...”

    “Que dia gostoso para o Brasil!”

    E dá-lhe reprises do momento em que Cielo subiu ao pódio e chorou ao som do hino nacional. Ufa. Policarpo Quaresma perde.

    Ditos populares são muito simplistas, mas, nesse caso, aquele que diz “nem tudo que reluz é ouro” se encaixa perfeitamente. Nessa cobertura das Olimpíadas, o ufanismo sai de controle mesmo quando a medalha é de bronze. Os terceiros lugares alcançados pelos atletas do judô, da natação e da vela foram comemorados como se fossem grandes feitos. Acontece que medalha de bronze é... medalha de bronze. Lembrando: ela corresponde ao terceiro lugar na competição, não ao primeiro, ok? Bom, agora vocês sabem.

    Todos os veículos de comunicação brasileiros assumem, de uma forma ou de outra, um tom ufanista durante grandes eventos esportivos como as Olimpíadas. Mas as emissoras de TV, nossa, essas quebram o recorde. Ficam endeusando os atletas brasileiros sem ponderar suas reais chances nas disputas. O nadador Thiago Pereira, por exemplo, era apresentado como a GRANDE ESPERANÇA BRASILEIRA de medalhas em Pequim, devido ao seu desempenho nos Jogos Panamericanos, ano passado. E onde está ele? Vocês o viram? Nas piscinas, eu só vi o Michael Phelps (aquele que tem cara de adolescente). As marcas que Thiago atingiu no Pan não seriam suficientes para ele chegar ao pódio nas Olimpíadas, quando competiria com os melhores do mundo todo – mas ninguém comentou isso. E a Jade Barbosa? Ela não iria ARREBENTAR na ginástica artística? Eu só a vi se arrebentando no chão, quatro vezes. Que saudade da Nádia Comaneci – e olhem que eu não era nem um projeto de ser humano quando a ginasta romena tirou sete notas dez em 1976, nas Olimpíadas de Montreal.

    Dizia-se também que o “show” dos esportistas brasileiros no Pan os credenciaria às mais altas posições em Pequim. Bom, estamos a dois dias do encerramento dos Jogos, e o Brasil está em 26º lugar no quadro de medalhas, com apenas dois ouros, três pratas e sete bronzes, atrás de “potências” como Etiópia, Quênia e Geórgia. Ok, o país ainda tem chances, principalmente no vôlei. Mas calma aí, que ainda temos muito a avançar. E um pouco de equilíbrio, em vez desse endeusamento todo, no discurso de quem cobre o evento poderia ajudar a criar a consciência crítica de que o povo brasileiro tanto precisa. Manter o pé no chão é pedir demais? Ficar insistindo que o Brasil é um-país-maravilhoso-com-atletas-maravilhosos-e-torcida-maravilhosa não contribui para a inteligência do público. Quem dera toda essa “energia” empregada nas transmissões das Olimpíadas fosse canalizada para protestar contra as mazelas do nosso país – corrupção, falta de segurança, educação ruim e tantas outras –, as quais, é bom lembrar, não deixam de existir porque um atleta brasileiro ganhou medalha.

    P.S.: Isso tudo sem falar dos assassinatos que os narradores cometem no Português. Numa madrugada dessas, uma moça do SporTV disse que a nota alta que uma ginasta recebera era “um notão”. Só que “nota” é substantivo feminino, e, portanto, seu aumentativo seria “notaça”. Conhecer certas regras do idioma antes de pegar um microfone também não seria nada mau.


    lucas colombo assinaturaLucas Colombo

    Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).


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